A
problemática do SUS e o porquê da convocação de todos os fiéis católicos ou não
para a “Caminhada Arquidiocesana em Defesa do SUS”, que acontecerá no dia 13 de Janeiro de 2018, poderá ser compreendida a partir
do Documento político da Rede Nacional de
Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (RNP+ Brasil) que foi lido na Câmara dos Deputados no dia 1º de Dezembro
de 2017, durante audiência pública em alusão ao Dia Mundial de Luta contra a
AIDS. Foi fruto das propostas aprovadas no VII Encontro Nacional das RNP+ Brasil,
realizado em outubro, em Fortaleza.
Segue o texto.
Dia
Mundial de Luta contra a AIDS: Resistindo por nenhum direito a menos
Neste Dia Mundial de Luta contra a AIDS, a Rede
Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (RNP+ Brasil) vem à sociedade
denunciar o descaso do Ministério da Saúde com a Saúde Pública, em geral – e
com a epidemia de AIDS, em particular.
Trinta e cinco anos após o aparecimento da AIDS no
Brasil, o ano de 2017 foi um marco no combate à epidemia no País. No carnaval,
em sua campanha de prevenção, o Ministério da Saúde acusou parte das pessoas
diagnosticadas com HIV de não se tratarem esquecendo de informar que a grande
maioria aderiu rigorosamente ao tratamento. Esqueceu-se também que os serviços
de saúde para acompanhamento e tratamento das pessoas com HIV estão lotados, ainda
conservam a mesma infraestrutura de sua implementação nos anos 1990, com menos profissionais
de saúde e hiperlotados. Esqueceu de informar ao cidadão, ao consumidor e ao contribuinte
que na maior cidade da Federação, por exemplo, a espera entre o diagnóstico do vírus
e a primeira consulta com um médico pode se estender por até seis meses.
Este foi o ano em que o Ministério da Saúde deixou que
as pessoas em tratamento ficassem sem medicamento (no segundo quadrimestre,
apenas 37,22% dos recursos alocados foram efetivamente investidos na aquisição
e distribuição de medicamentos para o tratamento do HIV), sem exames de
monitoramento colocando-nos em risco de o organismo criar resistência aos
medicamentos antirretrovirais, podendo nos levar ao adoecimento e à morte.
Também deixou faltar testes para diagnóstico do HIV, da sífilis e de outras
infecções sexualmente transmissíveis (IST).
Além disso, o Ministério da Saúde não divulga a
informação que a pessoa com HIV em tratamento, com o vírus indetectável aos
exames de monitoramento, tem possibilidades ínfimas de transmiti-lo a outras.
Esta é uma informação de base científica amplamente divulgada pelo Centro de
Controle de Doenças dos Estados Unidos, o mesmo que disseminou o perigo da epidemia
no início dos anos 1980. A campanha de esclarecimento i = i (indetectável é
igual a intransmissível) tem se disseminado pelo mundo, exceto no Brasil.
O descaso com o cidadão, o contribuinte e o consumidor
brasileiros é apenas parte do desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS). Também,
pudera, desde a redemocratização, desde a Constituição de 1988 que garantiu que
a Saúde é direito do cidadão e dever do Estado, é a primeira vez que o Brasil
tem um Ministro da Saúde contrário à saúde pública, à universalidade, à
equidade e à integralidade que o SUS preconiza.
Não é a primeira vez que um Ministro da Saúde é
indicado por um partido político que se estrutura e sobrevive às custas de
cargos e dinheiro público. No entanto, é a primeira vez que o Ministério da
Saúde é comandado por alguém que teve sua campanha à Câmara dos Deputados financiada
por quem quer destruir o SUS. Além do congelamento dos investimentos em Saúde e
Educação, a pá de cal pode ser dada com a Portaria 1091/2017, não referendada pelo
Conselho Nacional de Saúde, que estabelece que os repasses para o financiamento
da Saúde de Estados e Municípios devem ser feitos apenas para custeio e bens de
capital, o que significa que poderão acabar – como já vem acontecendo – com
programas de controle de endemias e epidemias conforme o humor do gestor da
ocasião.
Apenas nos seis primeiros meses de 2017, cerca de 35
mil pessoas iniciaram o tratamento do HIV no Brasil, o que é um alento. Mas, há
cinco anos que cerca de 12 mil pessoas morrem por AIDS no País, 1,4 pessoas por
hora, 33 pessoas por dia, uma tragédia.
Aliados ao descaso do governo federal e do desmonte do
SUS promovido pelo próprio Ministro da Saúde estão o preconceito e a
discriminação às pessoas que vivem com HIV e àquelas doentes de AIDS. Estes,
associados aos fundamentalismos políticos e religiosos produzem cada vez mais
infecções entre as populações mais vulnerabilizadas, lotam os serviços de saúde
e não diminuem a ainda alta mortalidade por AIDS.
Há 22 anos a RNP+ Brasil resiste pela vida, pela
efetivação dos direitos das pessoas que vivem com HIV e AIDS e pela difusão de
informações claras para que as pessoas que não vivem com HIV possam se prevenir
do vírus conscientemente. Em outubro, a RNP+ Brasil realizou seu VII Encontro
Nacional no qual reuniu dezenas de lideranças vivendo com HIV e AIDS de todo o
País para traçar as metas para os próximos dois anos sintetizadas em 30 propostas
e três moções de quatro eixos de discussão. Tais proposições serão encaminhadas
ainda neste ano a seus destinatários. Abaixo, alguns posicionamentos:
QUE a Câmara dos Deputados:
- Rejeite o Projeto de Lei (PL) nº 7082/2017, que põe
em risco participantes das pesquisas científicas em Saúde e extingue o Sistema
CEP/CONEP, que regulamenta a ética em pesquisa com seres humanos;
- Rejeite quaisquer proposições que visem a
criminalizar a transmissão do HIV, uma vez que tais projetos podem gerar pânico
e causar abandono do tratamento e a diminuição do diagnóstico aumentando ainda
mais a incidência do HIV na população;
- Aprove o PL nº 7658/2014, que torna obrigatória a
preservação do sigilo sobre a condição de portador do HIV nos casos específicos
e altere a Lei nº 6259/1975, para ampliar o rol de profissionais obrigados a
preservar o sigilo das informações constantes da notificação de doenças e
agravos à saúde;
- Aprove medidas legais que impeçam o atual e os
futuros governos quem utilizem os recursos destinados à aquisição de
medicamentos, exames e outros insumos para quaisquer outras despesas que causem
ou venham causar novamente as faltas ocorridas neste ano, que resultam no
prejuízo à prevenção e ao tratamento das IST e do HIV.
QUE o Ministério da Saúde:
- Mantenha atualizados no site do Departamento de IST,
Aids e Hepatites Virais (DIAHV) dados da utilização dos recursos para HIV/AIDS
e Hepatites Virais;
- Fortaleça o espaço Comissão Nacional de IST, Aids e
Hepatites Virais (CNAIDS), que deve presidir por força regimental a discussão e
aprovação de aspectos da Política Nacional de IST/AIDS e Hepatites Virais em
todo o território nacional;
- Promova a retirada do CID 10-Z-21 (estado de
infecção assintomática pelo HIV) da carteira de vacinação, que viola o sigilo e
a confidencialidade sorológica da mãe, fomenta o estigma e a discriminação da
parturiente soropositiva e a criança exposta. Além de contrariar a Lei nº 12.984/2014;
- Esclareça a baixa execução dos recursos para
“Aquisição e distribuição de medicamentos antirretrovirais (ARV), justificando
os percentuais expressos no R2PC do primeiro e segundo quadrimestre 2017:
- Quais órgãos são responsáveis e suas justificativas,
até meados de dezembro;
- Qual o prazo e estratégias do MS/GM para efetivar o
cumprimento total destes recursos, tendo em vista a vigência da EC 95/2016;
- Apresentar o demonstrativo de aquisição efetuado em
2017, com discriminação de medicamentos por compra nacional/internacional, e
quantitativos, para a estratégia de acesso universal ao ARV no Brasil;
- Apresentar nota técnica que garanta na LDO o
provável crescimento de pacientes notificados com HIV para o período da EC
95/2016, visto termos uma incidência anual de pelo menos 40 mil novos casos
novos;
- Emita a declaração de interesse público e o
posterior licenciamento compulsório do medicamento SOFOSBUVIR, patenteado pela
Gilead Sciences. A razão desta solicitação é o preço extorsivo que a empresa
estabelece para este medicamento para as pessoas com hepatite C. Estima-se que
650 mil pessoas necessitem deste tratamento no Brasil, cerca de 10%
coinfectados com HIV. Esta medida permitirá o acesso universal sem restrições
às pessoas com Hepatite C;
- Mantenha os estoques de ARV para três meses, visando
o abastecimento e a logística de Estados e Municípios e que este seja realizado
com antecedência de três meses para suprir as necessidades dos usuários,
facilitar o processo de logística e que o DIAHV possa fornecer a grade de
aquisição e distribuição destes medicamentos para monitoramento das redes de pessoas
vivendo com HIV e AIDS (PVHA);
- Retome imediatamente a estratégia da Prevenção
Positiva, visando a trabalhar efetivamente a segunda das metas 90-90-90, para
promover serviços de saúde mais acolhedores, humanizados, sensíveis e que
tragam a perspectiva de efetivar um projeto terapêutico de assistência e
tratamento das PVHA.
QUE o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS):
- Cumpra a lei que revisa benefícios da LOAS de acordo
com o que esta estabelece, isentando de perícia médica segurados com mais de 60
anos.
QUE a Gilead Sciences:
- Desista da ação judicial sobre a patente da
combinação TENOFOVIR mais EMTRICITABINA. Com efeito, as patentes já foram
negadas no Brasil pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Também esta ação judicial resulta na inibição do acesso à profilaxia
pré-exposição no Brasil, ao estabelecer um preço excessivamente alto,
especialmente neste momento de crise econômica. Como divulgado em julho, há um
aumento de incidência de casos de infecção pelo HIV em todas as populações vulneráveis.
A RNP+BRASIL manifesta preocupação com aspectos da EC
95/2016 relacionados à garantia do financiamento da seguridade social, tanto na
política de saúde como na de previdência social, mas principalmente no que diz
respeito a assistência social. Reiteramos a necessidade de manutenção da
política de assistência social como atribuição da UNIÃO, retomando os níveis
anteriores de investimento até 2016 (R$ 2,3 bilhões), que serão drasticamente
reduzidos a partir de 2018.
A RNP+ Brasil repudia a aprovação da nova Política
Nacional de Atenção Básica (PNAB), por entender que a manifestação e suas
colaborações, na rápida consulta publica, não foram expressadas no documento
aprovado na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) de 2017.
Também expressamos preocupação com diversos aspectos
aprovados, que prejudicarão em muito as ações de prevenção, pela não
valorização de toda estratégia multiprofissional de atenção aos usuários da
saúde, bem como a ampliação do diagnóstico e tratamento das IST/HIV/AIDS/HV.
Entendemos que a atenção básica precisa ser
valorizada, corretamente financiada e ampliada no seu papel de realizar a promoção
da saúde e a prevenção de agravos e doenças, com a qual contamos com a
valorização das ações de IST/HIV/AIDS/HV para conter a epidemia no Brasil.
Assim, também somos contrários à transferência das
PVHA em seguimento para a atenção básica e pela melhoria dos serviços
especializados e Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA).
Brasília, 1º de Dezembro de 2017.