A comemoração do 1.º de
dezembro – Dia Mundial de Luta Contra a Aids – foi de euforia no Grupo de
Adesão do Hospital de Clínicas da UFPR. Pela primeira vez, em mais de 15 anos
de serviços prestados, o núcleo – que ajuda soropositivos a se iniciarem e se
manterem no uso dos coquetéis – recebeu a visita de um representante da
hierarquia da Igreja Católica. “Quase” clandestina e anônima dos corredores do
HC, a iniciativa teve seu dia de reconhecimento tardio.
O arcebispo de Curitiba, dom
José Antônio Peruzzo chegou pontualmente, às 14 horas, para a reunião quinzenal
do Grupo de Adesão, no auditório 2 do HC. A média de 30 participantes –
liderados pela enfermeira aposentada Maria Alba de Oliveira Silva e pelo
assistente social Silas Moreira – estava presente, seguindo a regra, e se
surpreendeu com a primeira fala do religioso. “Caramba, vocês me pegaram de
jeito. Achava que ia encontrar pessoas tristes e o que vejo são sorrisos. Vivi
o bastante para identificar um sorriso protocolar. O de vocês é verdadeiro”,
declarou, dando início a uma conversa que arrancou lágrimas e risos da
assembleia.
“Adorei seu cabelo. É uma
prova de que você está se cuidando e se amando. Deixem-se querer bem”, disse um
simpático Peruzzo a uma das participantes soropositivas, cujo cabelo está
tingido de ruivo. Abraçou-a, abençoou-a, a exemplo do que fez com outros
participantes. Todos os discursos sobre “afeto” feitos pelo epíscopo se
traduziram em gestos concretos.
Cumprimentou a todos que
pôde. Contou, a uma assembleia atenta, que na mocidade, em missão no Norte do
país, foi contaminado pelo bacilo da hanseníase. “Fiquei com raiva. Tinha ido
ajudar e saí doente. Entendi que tinha preconceito, embora achasse que não, e
que era mais fraco do que supunha. Me curei, assumi minha fragilidade. Sei que
é diferente. Mas esse episódio me aproxima da dor de vocês.” A palavra “doença”
não foi usada nenhuma vez, em respeito a um dos estigmas sofridos pelos contaminados.
Depois, Peruzzo posou para
fotos e pediu para voltar ao grupo em outra ocasião. Justificou-se: convive
demais com pessoas com mil razões para reclamar e ali se sentiu em companhia de
gente disposta a repartir. “Me sinto renovado. Vocês dão sentido à vida das
pessoas que trabalham no Grupo de Adesão. Elas se alimentam da força que vem de
vocês”, disse, invertendo as posições – quem mais precisa ajuda os que se
dispõem a prestar socorro.
Não foi a única surpresa da
tarde. A Pastoral da Aids da Arquidiocese de Curitiba – fundada há dez anos,
pelo frei capuchinho Pedro Brondani e hoje coordenada por Guilhermina Eugênio –
nasceu dentro do Grupo de Adesão do HC. A ligação entre as duas iniciativas é
constante. Em meio à informalidade do encontro com dom Peruzzo, frei Pedrinho –
como é conhecido – anunciou que ano que vem parte para um trabalho missionário
na ordem capuchinha e repassou a coordenação do grupo ao jovem sacerdote Danilo
Vítor Pena, 30 anos, da Diocese de Jacarezinho, que está em período de prestação
de serviços na Arquidiocese de Curitiba.
Tanto a Pastoral da Aids
quanto o Grupo de Adesão fazem das tripas coração para se manter em atividade.
À revelia do aumento do número de informações sobre a contaminação e a doença,
o preconceito ainda impera. A presença de dom Peruzzo, tão à vontade na
reunião, rompeu por algumas horas o silêncio em torno dessas duas atividades.
“Eles nos legitimou”, disse Alba. Para os líderes, foi como se esses dois
trabalhos tivessem sido refundados em 1.º de dezembro de 2015.
Animação
“Alguém está vindo hoje pela
primeira vez?”, perguntou Alba, depois das falas do arcebispo. Havia sim – um
mestrando de Educação Física que se voluntariou a ajudar os contaminados na
prática de exercícios físicos. A experiência será analisada em sua pesquisa
acadêmica. Seguiram-se as palavras de ânimo de sempre, as referências a outros
grupos presentes à reunião e as animadas sessões de abraços. Frei Pedro
Brondani criou para o grupo a terapia dos “12 abraços” diários.
O número é aleatório, mas
diverte e ajuda. Pouco tocados, os soropositivos rompem ali a corrente de
isolamento em torno deles – dessa vez com a adesão do arcebispo, que não poupou
abraços a ninguém. Causou. Aquela máxima de pequenos gestos têm mais poder que
revoluções se mostrou certeira, mais uma vez.
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/arcebispo-de-curitiba
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