O repórter
Ricardo Bonalume Neto, da “Folha de S. Paulo”, entrevistou o pesquisador
brasileiro Michel Nussenzweig, imunologista na Universidade Rockefeller, em
Nova York, que está a frente dos estudos com o anticorpo neutralizador,
aquele encontrado nas pessoas que resistem ao HIV. Clonado e aplicado em 13
soropositivos que deixaram de tomar os antirretrovirais, o anticorpo mostrou
uma nova luz no caminho rumo à descoberta de um tratamento eficaz e
barato para o HIV/aids. Veja a reportagem na íntegra:
'Superanticorpo' impede infecção por HIV em humanos
Uma série de estudos recentes, publicados nas duas mais
importantes revistas multidisciplinares de ciência do planeta, a americana
"Science" e a britânica "Nature", revelou que potentes
anticorpos neutralizadores podem ter um efeito importante no controle do
HIV/aids.
Os artigos, culminando com um divulgado nesta quarta (22) pela
"Nature", mostraram que os tais anticorpos, retirados de pacientes
que têm naturalmente uma resistência maior ao vírus e, então, clonados,
protegeram pacientes que deixaram de tomar antirretrovirais e podem mesmo estar
engajando o sistema de defesa do organismo a voltar a combater o vírus.
Esse novo estudo revelou
dados de um ensaio clínico com 13 pacientes infectados com o HIV-1. Pacientes
que receberam quatro tratamentos com o anticorpo neutralizador (conhecido como
3BNC117) em intervalos de duas semanas experimentaram uma média de demora no
retorno do vírus de 9,9 semanas, comparados com registros históricos que
mostram uma média de 2,6 semanas.
Essa linha de pesquisa
poderá reverter no futuro um tratamento e uma forma de prevenção relativamente
baratos para a doença, especialmente disseminada em países pobres da África.
"Os testes em modelos
animais foram muito encorajadores, mostrando que os anticorpos podiam proteger
contra a infecção", disse à “Folha” o pesquisador brasileiro Michel
Nussenzweig, imunologista na Universidade Rockefeller, em Nova York.
Nussenzweig é o líder do
estudo publicado agora na "Nature". Ele é filho da dupla de
parasitologistas Victor e Ruth Nussenzweig, dois renomados médicos e
especialistas em malária, que se mudaram para os Estados Unidos por conta de
perseguições políticas no Brasil durante o regime ditatorial de 1964.
E por que Michel não seguiu
nas pegadas dos pais, pesquisando malária? "É algo mais limitado. O que eu
faço é um problema muito grande e interessante", diz o filho de Victor e
Ruth.
"Anticorpos têm
propriedades adicionais, eles podem engajar o sistema imune em uma forma de
imunoterapia – embora não seja uma vacina, é uma proteção semelhante a uma
vacina", diz o pesquisador, que preferiu conceder esta entrevista a
Ricardo Bonalume Neto por telefone em inglês, justificando sua maior
familiaridade com a língua adotada para termos científicos.
Em um estudo anterior,
também de autoria do brasileiro, macacos receberam uma injeção de anticorpos
que garantiu 23 semanas de proteção.
É esse efeito a longo prazo
que Michel Nussenzweig e colegas procuram: obter terapias baratas e que possam
ser aplicadas em locais com infraestruturas de saúde pública precárias,
notadamente na África. "Esse é o objetivo da Fundação Bill e Melinda
Gates, que patrocina esses ensaios", diz o brasileiro, eleito em 2011 para
a Academia de Ciências dos EUA.
Clonagem de anticorpos
O vírus HIV é notoriamente letal
porque ataca justamente as células de defesa do organismo humano que deveriam
impedir a infecção. É um tipo de retrovírus, muito simples geneticamente, mas
perigoso especialmente por isso. Ele é capaz de múltiplas mutações e pode ficar
dormente dentro de células humanas.
"As drogas antirretrovirais
são ótimas e baratas, mas têm efeitos colaterais e não curam a doença",
diz o pesquisador brasileiro radicado nos EUA.
Mas uma parte dos pacientes tem
atividade ampla de anticorpos contra o vírus HIV; algo já conhecido fazia
vários anos. Faltava tentar usar essa descoberta em termos práticos, algo que
Nussenzweig e colegas têm aperfeiçoado.
Os superanticorpos são conhecidos
pela sigla em inglês bNAbs, de "broadly neutralizing antibodies"
("anticorpos amplamente neutralizadores"). Eles atacam diferentes
alvos em uma proteína na superfície do vírus, a gp160, que lembra uma série de
pregos ou "espigões" grudados na esfera que constitui o vírus.
O pesquisador brasileiro então
desenvolveu um método particularmente eficaz para clonar esses superanticorpos
dos pacientes especiais.
O novo estudo é delicado em
termos éticos, pois inclui substituir uma terapia que funciona – o coquetel
antiviral – por outra ainda em pesquisa. Os participantes foram informados dos
riscos, pois pararam com a medicação dois dias depois da primeira injeção de
anticorpos.
Um grupo recebeu uma dose inicial
do anticorpo 3BNC117 e outra 21 dias depois. Outro grupo, além da dose inicial,
recebeu doses semelhantes 14, 28 e 42 dias depois, desde que não houvesse o
retorno do vírus. Se houvesse retorno do vírus acima de um limite especificado,
a nova terapia seria descontinuada e a antiga restabelecida.
Os resultados mostraram que 30%
dos participantes continuaram sem a volta do vírus mesmo quando as
concentrações de anticorpos tinham caído muito, e em apenas um caso o vírus
emergente parecia ter alguma forma de resistência ao 3BNC117. Como escreveram
os autores do estudo na "Nature", isso demonstrou uma "forte
pressão seletiva" sobre os vírus emergindo de seus reservatórios.
Fonte: http://agenciaaids.com.br 23/06/2016 - 14h50
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